Novamente este ano (2022), lançamos nossa pesquisa para entender qual o perfil das pessoas interessadas na Rainbow Sangha Brasil (RSBr), o que elas pensam sobre a RSBr e o que elas sentem falta. A pesquisa aconteceu entre os meses de Agosto e Outubro deste ano, e finalmente vamos compartilhar os resultados desta investigação com todes vocês. Mas antes de começarmos a mostrar a análise, queremos agradecer a todes que responderam e ficamos muito felizes em ter vocês conosco!
No total, tivemos 120 pessoas respondentes, um aumento de 22,4% em relação ao ano anterior! Entre todes que responderam, 60% eram budistas e outres 40% se diziam de outra religião. Entre estes de outra religião, para a nossa feliz surpresa, a maioria era de religiões de Matriz Africana, entre elas 13% pertenciam à Umbanda e 7% ao Candomblé. Ateus e Agnósticos somaram 17% e outras religiões 13%, em que destas, 03 pessoas diziam fazer parte de alguma religiosidade indígena. Outra novidade que nos chamou atenção foram algumas expressões de diferentes Neopagãos, cerca de 15% entre todes. Novamente tivemos um número considerável de pessoas com múltipla pertença religiosa, entre todes não-budistas, 25% dizia pertencer a mais de uma religião, entre todes, 02 se consideravam budistas de dupla-pertença.
Em relação à identidade de gênero e orientação sexual dos budistas respondentes, os resultados da pesquisa de 2022 se assemelham bastante ao do ano anterior. Temos uma maioria de budistas homens-cis homossexuais (gays), com 59% da amostra. O segundo lugar entretanto, ficou com pessoas não-bináries, sendo 23% entre os respondentes contra 18% das mulheres-cis. Destes 23% de budistas não-bináries, 50% são pansexuais e os outros 50% gays e lésbicas na mesma proporção. Além disso, a maioria das mulheres-cis se declararam bissexuais e não lésbicas. Entre os budistas respondentes, apenas 14% eram heterossexuais. Diferente de 2021, este ano tivermos 02 pessoas intersexo e apenas 01 homem-trans.
Seguimos nossa análise agora entendendo algumas interseções para compreender a diversidade de pessoas que vem se engajando com a RSBr. Em 2022, novamente preferimos não abordar as questões de classe social em nossas pesquisas, então achamos mais adequado continuar com as mesmas questões, identificando faixa etária, reconhecimento de cor/raça/etnia, e onde estes budistas se encontram no Brasil.
A grande maioria dos budistas LGBTI+ que responderam a pesquisa este ano são jovens adultos entre 32 e 40 anos e idade (45%), em segundo lugar a nova geração de jovens entre 18-30 anos, que somados representariam 32% da amostra. Pessoas adultas e maduras somariam juntas, quase 20% contra apenas 5% dos adolescentes interessados na RSBr.
Em relação à Raça, Etnia e Cor, o resultado nos intrigou um pouco, levantando aqui novamente um alerta. Mais uma vez, temos uma maioria budistas LGBTI+ brancos (82%) que responderam a pesquisa este ano de 2022. Um aumento de 4% em relação ao ano anterior, que acentua ainda mais a falta de diversidade de raça entre os budistas LGBTI+. Este não é exatamente um dado novo, porém escancara a necessidade de empenharmos esforços em conseguir dialogar, ouvir, engajar e se relacionar com a pluralidade racial que temos entre LGBTI+ no Brasil. Apenas um LGBTI+ que se reconheceu como latino, outra que se reconheceu como negra e mais uma que se reconheceu como amarela, contra outros 17% se identificando como pardas.
Quando à distribuição geográficas deste budistas LGBTI+, temos novamente São Paulo na frente com 46% e Paraná com 10% dos respondentes. Esta não é exatamente uma novidade, uma vez que são os dois estados que tiveram uma maior pulverização da colônia japonesa e onde se torna mais fácil encontrar templos e centros de prática. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Brasília Ocupam juntos o terceiro lugar (9%, 7%, 6%) E outros estados com recorrência mais inexpressiva, somam juntos 21%.
Sobre as tradições às quais estes budistas LGBTI+ pertenciam, não tivemos tanta novidade, a maioria dos respondentes continua sendo de tradição Zen budista, porém com 46%, tendo uma queda de 12% em relação ao ano de 2021. Já os budistas Tibetano (Vajrayana) cresceram em 15%, totalizando 30% dos respondentes. Os praticantes da tradição Terra Pura também aumentaram, de 15% do ano anterior, para 19% em 2022. Já outras tradições como Theravadins ou Nichiren, caíram em participação, somando apenas 2% e 4% respectivamente. Outras tradições não surgiram na pesquisa.
Entre os 46% que disseram ser de tradição Zen budista, estes frequentam os seguintes sanghas: Zendo Brasil, Eininji e Daissen. Em relação aos 19% dos que disseram fazer parte da tradição Terra Pura, se dividem entre as ordem Otani-ha e Hongwanji-ha. Já os 30% praticantes budistas Tibetanos, pertenciam às escolas Kagyu, Drugpa, Gelugpa, Nyingma, CEBB e Kadampa. E enfim, os 4% que pertenciam a tradição Nichiren, faziam parte da Nichiren-shu.
Entre os budistas LGBTI+, apenas 34% fizeram algum rito de iniciação na sua tradição, sendo a maioria destes pertencentes às escolas tibetanas ou terra pura. Embora os LGBTI+ budistas tenham sido de maioria Zen, estes ainda não tomaram refúgio nas três jóias (Buda, Dharma, Sangha). Além disso, entre todos os budistas LGBTI+ que responderam, 62% afirmaram participar de alguma comunidade (Sangha), outros 38% disseram que ainda não participam. Os motivos relatados são: a distância dos templos ou a inexistência de templos em suas cidades e atividades religiosas pagas às quais não conseguem custear, apontando o já conhecido elitismo do Budismo.
Sobre a forma que participam das atividades e eventos das comunidades, budistas LGBTI+ estão aproveitando os recursos tecnológicos e participando da comunidade de maneira híbrida, ou seja virtualmente e presencialmente, com 67% dos respondentes. Participações exclusivamente presencial parecem cada vez menor, com apenas 12% respondendo que só frequentam a comunidade desta maneira, contra 21% que somente estão participando on-line.
Em relação a atividades ou eventos específicos para falar sobre questões pertinentes à população LGBTI+, 82% dos respondentes relataram que as comunidades não promovem nenhum tipo de ação. Menos de 20% comentou que havia alguma mobilização para discutir a realidade social e afetiva de praticantes LGBTI+, além de interpretar a doutrina para a realidade destas pessoas. Entre as atividades comentas, os praticantes LGBTI+ mencionaram: rodas de conversa sobre sexualidade e diferenças de gênero à luz do Budismo e orientações para a comunidade aprender a respeitar e acolher LGBTI+.
Entre aqueles que responderam que não havia atividades para LGBTI+ em suas comunidades, 82% afirmaram que suas comunidades deveriam ter este tipo de atividades. Apenas 18% responderam que não precisava ter atividades específicas para LGBTI+ com a justificativa de que não deveriam haver diferenças entre as pessoas ou que já seria implícito que o Budismo acolhe a todos e que isso não deveria ser um assunto à parte.
Os 82% que afirmou que deveria ter atividades específicas para LGBTI+, deu diversas sugestões de quais tipos de eventos e ações poderiam ser promovidos pelas comunidades budistas. Palestras, Cursos e Seminários sobre assuntos da comunidade LGBTI+ e como o Budismo pode ajudar estas pessoas; Leitura de sutras contextualizando os ensinamentos na vida contemporânea; Abordar o sofrimento causado pelo preconceito e como trabalhar pela inclusão social dos LGBTI+; Retiros especiais para acolher a diversidade de gênero; Dar mais visibilidades às pessoas LGBTI+ no Sangha; Trazer a tona LGBTI+ na história do Budismo como exemplos para inspirar os LGBTI+ no presente e promover representatividade; Divulgar mais o Budismo como religião acolhedora.
Entre os Budistas LGBTI+, cerca de 75% disseram que contaram sobre sua identidade de gênero e/ou sexualidade na comunidade, ente eles, 39% afirmam que todos na comunidade sabem, o restante contou que somente algumas pessoas mais próximas. Quase 25% comentou que ninguém sabe sobre sua identidade LGBTI+, mas que gostariam de contar se tivessem a oportunidade. Entre estes, alguns acreditam que não seja importante ou relevante, mas que se alguém perguntasse falariam.
Quanto à recepção na comunidade, 18% dos respondentes disseram que o fato de serem LGBTI+ fez com que se sentissem mais acolhidos! Outros 66% foram bem recebidos, sem nenhum problema na comunidade. Entre o total de respondentes, 18% eram budistas heterossexuais e comentaram que a comunidade recebia bem a diversidade de gênero e pessoas com orientação sexual diversa. Entre os respondentes budistas, LGBTI+ ou não, ninguém relatou algum problema relacionado a preconceitos de gênero dentro da comunidade budista.
De acordo com a pesquisa, 78% dos praticantes LGBTI+ já percebiam o Budismo como uma religião acolhedora para LGBTI+ antes de conhecer a RSBr e 22% dos budistas LGBTI+ dizem ter conhecido esta característica inclusiva desta religião através da RSBr. Por outro lado, entre os que eram de outra religião, metade dos respondentes não sabia que o Budismo era uma religião inclusiva e passaram a saber disso por causa do surgimento da RSBr.
Para budistas que já percebiam o Budismo como inclusivo, perguntamos quais seriam os fatores que fariam desta uma religião inclusiva e eles responderam: que teria a ver com o fato desta religião considerar que todos os seres são iguais e possuem igual capacidade de iluminação; citaram também o caráter andrógino do bodhisattva Avalokiteśvara; o universalismo soteriológico do Buda Amida e a Terra Pura; o conceito de impermanência, anattā e vazio aplicados à sexualidade e identidade de gênero; a falta de dogmas religiosos; a relação de compaixão e não causar sofrimento ao outro com proposta de acolhimento; desapego às categorias discriminatórias; percepção de que não há relatos de exclusão na história do budismo nem nos textos sagrados desta religião etc.
Praticamente todos que responderam a pesquisa acreditam que as comunidades budistas deveriam se engajar mais em pautas sociais relacionadas à população LGBTI+, lutando por igualdades de direitos humanos básicos e uma sociedade mais acolhedora para todes. Quando perguntados de que forma isso poderia acontecer, tanto os budistas quanto os respondentes de outras religiões sugeriram alguns caminhos como: se envolver com meios de comunicação para gerar conteúdo especializado e ampliar a divulgação; não se restringir à comunidade LGBTI+ budista pois outras pessoas devem entender o fator inclusão desta religião; relatar mais fatos históricos, personalidades e mitos LGBTI+ budistas para criar identificação e proximidade; dar voz e visibilidade a toda a diversidade de praticantes budistas LGBTI+ chamando-os para construir atividades dentro e fora da comunidade; ocupar espaços públicos e se engajar com outras organizações humanitárias; criar projetos filantrópicos e participar do desenvolvimento de políticas públicas etc.
A grande maioria dos participantes da pesquisa também percebe a Rainbow Sangha Brasil como atuante em pautas relacionadas à população LGBTI+, com 93% dos respondentes. Este número cai entre as pessoas de outras religiões que possuem menos conhecimento sobre a RSBr, mas ainda assim, uma maioria de 87% acredita que a RSBr se engaja em assuntos sociais relacionados à diversidade de gênero/sexo.
Entre pessoas que pertenciam a outras religiões, ou seja, não Budistas, 51% afirmaram que que já reconheciam o Budismo como uma religião inclusiva antes mesmo de conhecer a RSBr. Ao serem perguntados sobre que características do Budismo os levariam a reconhecê-la como uma religião que acolhe a população LGBTI+, o casamento religioso homoafetivo foi o fator mais apontado. Ao que parece muitos LGBTI+ vem se aproximando da religião como uma oportunidade de selar e celebrar seus relacionamentos, apontando pra uma certa popularidade destes ritos matrimoniais que as comunidades Budistas vem realizando. Além disso, pessoas de outras religiões também afirmaram em suas respostas que a iluminação do Buda seria uma possibilidade para todos independente do gênero; que o preconceito era um comportamento de “religiões pouco evoluídas” (sic); que o budismo não condenava a sexualidade humana; que o esta religião buscava repudiar (sic) o ego; que o Buda não deve ter falado nada contra gays; que o Budismo seria uma religião que procuraria equilibrar o corpo e a mente, e que por isso a sexualidade das pessoas não deveria ser uma questão; e enfim, por ser uma religião que não trazia dogmas, que não haveria a ideia de pecado e que não procurava punir as pessoas.
100% dos respondentes de outras religiões afirmaram que o Budismo deveria se engajar em pautas sociais relacionadas às pessoas LGBTI+. Para estas pessoas, esta religião precisa se pronunciar e se posicionar mais nos assuntos que interessam estas pessoas, mostrando o ponto de vista religioso em relação a determinados assuntos para que Budistas e outras pessoas possam entender como lidar com preconceitos, discriminações, abusos e violências sociais. Além disso, estes religiosos não-Budistas também sugeriram que o Budismo deveria promover mais discussões entre a comunidade e as famílias sobre acolhimento às pessoas LGBTI+; realizar maias eventos, palestras e workshops sobre a doutrina religiosa para desmistificar a sexualidade desviante e como o Budismo acolhe a todes; adaptando a mensagem religiosa para pessoas de outras camadas sociais e que o Budismo precisa ser mais simples e menos elitista em sua prática; trazer referenciais históricos e mitológicos para que as pessoas possam se reconhecer nesta religião; se aliar e se engajar com outros movimentos sociais e feministas, trazendo o budismo como contraponto religioso dentro da política, uma vez que o viés cristão vem sido utilizado para segregar e oprimir uma diversidade de existências e sexualidades.
Por fim, em relação a assuntos que mais sentem falta, os respondentes mencionam que a RSBr poderia trazer mais discussões sobre sexualidade do ponto de vista Budista… Como os budistas devem se relacionar? Como devem lidar com o sexo? Como budistas devem pensar sobre direitos reprodutivos da mulher? Como budistas devem pensar sobre adoção e casamento homoafetivo?