Olá. Meu nome é Giovane Marques, e sou membro da comunidade Soto Zen, especificamente Zendo Ribeirão Preto. Sou gay e tive três relacionamentos longos. Fui comissário de Bordo por 15 anos, até que minha empresa fechou. As dificuldades começaram aí. Depressão, separação do meu último namorado e uma tentativa frustrada de viver em Portugal, país do qual sou cidadão, mas que passa por uma crise política e econômica.
Eu pratiquei o budismo em uma outra escola a qual não faço mais parte. As pessoas achavam estranho e iam perguntar para meu amigo o que eram aqueles sinos e aquela recitação em uma língua estranha. Como todos sabem, Portugal é um país extremamente católico e conservador. Sofri preconceito por ser brasileiro e como os salários naqueles moldes de política eram baixíssimos e o aluguel caríssimo, resolvi voltar deixando para trás sonhos, um namorado e algumas vivências edificantes.
Desempregado e um tanto frustrado, voltei para a casa de minha mãe. Ela não aceita minha homossexualidade. Mas sou grato por ter abrigo, uma cama, um chuveiro e comida. Ela não aceita, mas ao menos não toca no assunto. Talvez para ela seja bom. Pra mim nem tanto. Conheci um rapaz lindo. Talvez meu namorado mais bonito. Foi um namoro tenso, onde sofri um relacionamento abusivo. Eu o perdoo. Descobri que ele tem síndrome de borderline. Eu faço preces de transferência de méritos a ele sempre que posso. Gostaria muito de vê-lo bem, embora eu não acredite muito. Só muda quem quer, não é mesmo? Quando terminamos, fiquei super triste. Já estou desempregado, a pandemia não tem me ajudado na questão de emprego, acabei caindo na cama com depressão. Mesmo vendo-me triste, minha mãe nunca me perguntou o que estava acontecendo. Ela sabia, pois o Murilo, meu ex, frequentava minha casa, apesar de não mais. Busquei ajuda com psiquiatra/ psicólogo. Estou sob tratamento.
É provável que eu jamais tivesse tido força para buscar sozinho me cuidar se não fosse o budismo. Por sorte desde janeiro, passei a frequentar o templo da Soto Zen aqui onde moro, em Ribeirão Preto. Comecei minhas práticas e nunca as abandonei. Nem mesmo nos momentos mais difíceis. Graças a meu mestre, que é um grande professor de Dharma, me mantive firme na prática. Não só me mantive firme. Estou me aprofundando cada vez mais, já sou considerado membro da Sangha do Zendo Ribeirão Preto e estou prestes a ser preceitado.
Hoje encontro-me mais feliz, já o que o zazen tem sido fundamental para eu entender que o sofrimento é realmente uma opção. Cada um tem sua história, suas dores, seus desamores, suas solidões. O zen budismo me ajuda e muitoa conviver com isto de maneira serena. Não é fácil. A prática não é fácil. Entrar em samadhi não é fácil. Mas tudo vem com o tempo e minha escolha funcionou.
Este domingo, dia 20 de setembro de 2020, tivemos um retiro online. Fui convidado a ajudar no templo. Ficamos apenas em três pessoas, eu, uma moça que já tem preceitos e é lésbica (sim, realmente o budismo acolhe a todos) e o monge de minha ordem. Trabalhamos muito, fizemos samu, teve tchoca, palestras com meu mestre, o monge Kojūn e nossa mestra, Coen Roshi. Ser parte de uma Sangha, é extremamente importante para a vida de um budista, e mesmo ainda não tendo costurado meu rakusu, me sinto acolhido e respeitado.
O zen não é uma escola de práticas fáceis. Por vezes são até mesmo austeras e formais, mas dentro desta sangha que possui atenção plena desenvolvida e pratica diariamente o zazen e o kinhin, não vejo disputas, não vejo vaidade, não vejo ego, não vejo erudições exageradas. Apenas praticamos, estudamos e sempre. Sempre mesmo! Nos ajudamos.
Apesar de todas as dificuldades e testes que a vida acabou me impondo, espantei o demônio Mara e hoje vivo bem e feliz, mesmo dentro destas dificuldades. Aprendi a lidar com elas. Aprendi a me amar e ser compassivo com todos os seres e através de recitações como “O Portal de Kanzeon Bodhisattva”, a ter forças para seguir em frente. Recitações do Sutra do Lótus e do Sutra do Coração da Sabedoria Completa, juntamente com nossas práticas principais que são práticas meditativas, estou certo que seguir em frente tornou-se mais fácil, porque acredito através da impermanência e o vazio dos agregados, tudo vai melhorar. Inclusive se as coisas piorarem. Eu sei que encararei de forma serena e com acuidade mental para ser feliz e compassivo.
Agradeço meu professor de Dharma, o monge Kojūn, agradeço os ensinamentos preciosos de nossa mestra, Coen Roshi, agradeço à Sangha maravilhosa a qual pertenço e sinto amor, agradeço aos Budas e Bodhisattvas. Agradeço por estar vivo e respirando. A dor de relações frustradas já não me afetam e mesmo sendo difícil ser gay em um país tão preconceituoso, às vezes nem lembro da minha sexualidade. Não sou mais, nem menos que ninguém. Eu apenas sou. Este é só um singelo depoimento sobre como o budismo mudou minha vida. Embora eu já o praticasse, são em momentos difíceis que percebemos o quanto os ensinamentos de Buda são preciosos.
Mãos em prece. Gasshô!